sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Bicho de Sete Cabeças

O filme “O Bicho de Sete Cabeças” tem a sua história permeada por conflitos e dilemas relacionados ao sofrimento psíquico de um jovem e a sua trajetória por instituições de reclusão. Após a descoberta do uso de drogas, o protagonista Neto, um jovem brasileiro, se vê lançado pela família a um serviço de saúde o qual supostamente o libertaria das drogas e das atitudes não aceitas pela sociedade.
Descrevendo sob a ótica não crítica poder-se-ia dizer que toda a trama não passaria de uma situação corriqueira de internação para a recuperação e desintoxicação de um dependente químico. No entanto, quem tem a oportunidade de visualizar o enredo em todo o seu contexto, tem a chance de se sensibilizar, outrora se horrorizar e principalmente se indignar com os moldes da espécie de tratamento ao paciente realizada pelos serviços e pelos profissionais da saúde.
O expectador tem a possibilidade de experenciar um pouco de cada personagem e com isso questionar-se: O que leva um jovem ao envolvimento com práticas ilícitas como o uso de drogas e ao comportamento à beira da marginalização? O que leva os pais ao desespero, a atitudes rigidamente paradoxais com o intuito de ajudar e recuperar um filho, aparentemente viciado e sem perspectivas? Estes, para mim, além da questão da institucionalização do doente mental, foram dois impasses que permaneceram borbulhando em minha mente após a sessão. As indagações são tantas que se fosse possível problematizá-las uma a uma, detalhe por detalhe, acabaríamos por nos perder e “endoidecer” ainda mais no meio de tantas opiniões divergentes e polêmicas.
Quais os culpados ou o culpado? Qual o papel de cada segmento: a família, a sociedade, os profissionais da saúde? Até que ponto um ou outro contribuiu para que Neto mergulha-se num poço totalmente vazio e escuro que o levaria a perda de seu próprio eu e de sua dignidade?
O certo é que para mim, enquanto cidadã e acadêmica de enfermagem, atenta e comprometida com os preceitos e práticas em voga no que diz respeito à Saúde Mental em nosso país, posso dizer que o o filme mostrou uma realidade já não mais majoritária, mas que predominou até décadas atrás e deixou grandes cicatrizes que permanecem impressas nas atitudes e pensamentos de muitas pessoas e profissionais da saúde até os dias atuais. Isso porque, um muro se constrói instantaneamente a partir do momento em que uma pessoa é diagnosticada com alguma patologia mental ou com alguma dependência química.
Neto representou a estigmatização a qual aponta o pseudoconceito de que “loucos” são um perigo, e que precisam ser afastados a um mundo à parte, para que não interfiram negativamente no cotidiano das pessoas ditas “normais”.
É no sentido de apontar novas atitudes e aproximar a teoria da pratica que muito se tem investido em estudos, leis, programas, encontros, educação continuada de profissionais da saúde e sensibilização da população leiga em relação à promoção da saúde mental e dos direitos do portador de sofrimento psíquico.
Pouca gente tem conhecimento, mas em 6 de abril de 2001, foi sancionada a Lei Nº 10.216 que dispõem sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Para exemplificar, um dos direitos assegurados em teoria pela Lei é o tratamento humanizado e o respeito com a pessoa portadora de transtorno mental, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade.
 Com essa descrição, podemos observar que se trata de condições totalmente às avessas do que foi apresentado pelo filme.
Além disso, outra conquista que representa mais um passo pela adesão a um arquétipo mais humano e integral é a Carta de Direitos dos Usuários e Familiares de Serviços de Saúde Mental A mesma vai de encontro aos modelos manicomiais e aos métodos cruéis, assassinos dos valores e da identidade humana, como o uso de camisa de força, abuso físico e moral, superdosagem de medicamentos, entre outros comportamentos degradantes. Do mesmo modo que apóia a inserção da família, o bem estar físico, mental e emocional do paciente, a assistência prestada em ambientes o menos restritos possíveis, a participação em grupos de auto-ajuda e centros de convivência, enfim medidas que visem à manutenção da integridade moral principalmente como um cidadão igual aos demais, portador de direitos e deveres.
Em vista do que foi exposto, acredito que a enfermagem já está sendo grande figura no movimento em prol do cumprimento dos direitos do portador de doença mental, principalmente no que diz respeito à Política Nacional da Humanização e a prevenção dos agravos á saúde mental.
Com certeza, é um grande passo a formação humanizadora e integralista que vivenciamos em nossa graduação, afinal é a partir principalmente destas ferramentas que poderemos entender melhor a importância da preservação da dignidade e dos elementos que compõe o meio social e emocional do indivíduo.
Portanto, para que seja possível a extinção do “bicho de sete cabeças” o qual se construiu em torno de atitudes consideradas frutos da loucura, é mister que a enfermagem coloque todos os conceitos estudados em prática, e acima de tudo, preze por um cuidado livre de maus tratos, pela escuta terapêutica e pela transposição da barreia que separa o doente mental da vida plena em sociedade.

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