quarta-feira, março 24, 2010

Quanto custa rechear seu Currículo Lattes?

Todo estudante universitário já ouviu falar do Currículo Lattes, todo aspirante a Mestre ou Doutor decerto já fez o seu e àqueles com pretensões acadêmicas é imprescindível atualizar seu Lattes pelo menos duas vezes por ano. O Lattes é critério quase universal para seleções de programas de pós-graduação do Brasil e do exterior, além de ser fundamental nas bancas de contratação de professores universitários em concursos e editais. Mantido pelo CNPq, é uma forma democrática de centralizar as informações acadêmicas de todo país, permitindo aos pesquisadores encontrar colegas de áreas afins e, a quem seleciona, avaliar a produção científica do aspirante à vaga.
Os críticos dizem que o Lattes transforma todo o esforço intelectual dos pesquisadores em quantidade, em números, simplificando e até ridicularizando uma produção eminentemente qualitativa. Ocorre que no final do Lattes há uma tabela informando quantos artigos foram publicados, quantos livros ou capítulos de livros, de quantos congressos o fulano participou. Mas até aí nenhuma novidade, se você começou a ler este texto provavelmente já sabe o que é e como funciona o Currículo Lattes. A novidade é que um bom Lattes tem preço.
Com o crescimento dos cursos de pós-graduação no Brasil e o amadurecimento da Plataforma Lattes, a corrida por "qualificação" tem sido grande, e a lógica quantitativa acaba incentivando a formação de um verdadeiro "mercado acadêmico".  Se você quer que seu trabalho seja apresentado, antes da inscrição deve enviar um resumo e aguardar o aceite. Elaborei o resumo, nas normas que exigiam, e o submeti. Em poucas semanas, um e-mail informa que o trabalho foi aprovado, e o ingênuo aqui fica feliz da vida: vai no site, preenche a ficha de inscrição, imprime o boleto, paga no banco a taxa de cento e poucos reais (há eventos de R$ 300,00, R$ 500,00, e por aí afora, especialmente se você for da área de Medicina ou Direito). No dia da minha apresentação no evento, a surpresa: havia cinco pessoas na sala: um professor e quatro apresentando trabalhos. Público para quê? Discussão para quê? Afinal, dali sairemos com um certificado (enviado por e-mail), um CD-ROM e um número a mais no Lattes!
Evidentemente, a proporção não é um por um, mas tão evidente quanto é que os congressos hoje estão inchados com dezenas de apresentações de trabalhos, e o aceite desses é uma mera formalidade. Um trabalho medíocre será aprovado se não comprometer o evento e o autor lá estará, enquanto um aluno excelente que faça um artigo excelente mas por algum motivo não possa pagar a inscrição, ah, esse não estará lá. Afinal, sai caro um bom Lattes...
Mas vamos além, afinal de contas, poucos dos que se aventuram em cursos de pós-graduação não teriam dinheiro para a inscrição de um evento desses. E a passagem? E o hotel? E férias, para quem não tem bolsa? Sim, porque se você tiver pretensão de dar aula na USP, na UFRJ ou na UFRGS, é bom sua vida acadêmica não ficar restrita a Cacimbinhas, é bom você ter ido aos eventos nacionais mais importantes da sua área, ter contatos, viajar. E não espere algum desconto especial para viagens acadêmicas por parte das companhias aéreas. Muito menos bolsas oferecidas pelos cursos de pós-graduação, a não ser em raríssimos ― e discutíveis ― casos. Afinal, sai caro um bom Lattes...

Texto de: Marcelo Spalding
Fonte: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2749

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